Subiu a cortina

Caro leitor,

Seja bem vindo ao mundo das cordas, madeiras e metais. Aqui você encontrará minhas impressões sobre diversos concertos de música erudita realizados na cidade do Rio de Janeiro. Também compartilhará dos meus devaneios sobre o mundo dos clássicos e algumas dicas de programas, filmes e discos. Só peço a cortesia de fazerem silêncio durante o concerto (e nada de ficar desembrulhando balinhas). Obrigada!

domingo, 1 de dezembro de 2013

Estreia com Beethoven

Desde maio não escrevo nada sobre música. Acabo de me dar conta que a minha proposta de "retrocríticas" foi por água abaixo já que deixei acumular cerca de 30 textos referentes aos concertos, óperas, balés, recitais e afins aos quais assisti este ano. Se a memória permitir, prometo postar uma retrospectiva geral em breve, mas hoje o assunto é outro: minha estreia na Cidade das Artes (como ouvinte, é claro).

A manhã chuvosa de domingo não inspirava muita energia, mas Beethoven é sempre um bom motivo para levantar da cama. A Orquestra Petrobras Sinfônica tocaria a 7a sinfonia na grande sala e eu estava muito curiosa para conhecer esse espaço cuja construção acompanhei durante mais de uma década, desde o primeiro campinho de futebol para os funcionários da empreiteira.

Ao me deparar com o gigantesco navio de mármore, subi a bordo, encarando os quatro lances de escada de salto alto com elegância. É claro que eu poderia ter subido pelos elevadores caso tivesse sido avisada ou prestasse um pouco de atenção, mas o exercício matinal foi útil para ativar os sentidos (e eu já tinha parado de arfar quando a orquestra entrou no palco). Lá de cima, a vista não revelou nenhum atrativo e o vento forte bagunçou meus cachinhos. Esteticamente, o projeto não me agrada mas as dimensões das estruturas e dos vãos são, deveras, impressionantes. A Grande Sala, que não é tão grande assim, é bem mais aconchegante com iluminação agradável, temperatura ideal e uma distribuição de assentos que permite boa visão do palco de qualquer ponto da sala. Logo em seguida descobri que a acústica é mesmo maravilhosa como anunciam seus gestores. Não fosse pelo "leg space" digno da classe econômica das empresas aéreas brasileiras, seria realmente um espaço ideal. Mas vamos ao que interessa...

Logo de cara fomos surpreendidos com uma canja da orquestra da Academia Juvenil da OPES tocando Vivaldi. O conjunto, fruto de um belíssimo projeto dos músicos da orquestra profissional, tem mostrado sensível evolução nos últimos meses e deixou mestres e familiares radiantes de orgulho. Desconfio que temos ali verdadeiros talentos sendo lapidados para as orquestras de amanhã. Miguel Braga é a prova disso.

Chefe dos violoncelos da Academia e solista da noite à frente da orquestra dos seus professores, o menino não deve ter mais de 13 anos e tocou um belo concerto de Haydn, superando o nervosismo natural agravado pelo rompimento de uma das cordas do seu instrumento momentos antes de subir ao palco. Aplaudido de pé, ainda brindou o público com dois "bis": uma suite de Bach que ainda precisa amadurecer e uma peça mais moderna (não consegui identificar qual era) que mostrou um pouco da personalidade do moço. O mais bacana foi a ovação dos colegas que fizeram uma festa no balcão, comemorando o êxito de Miguel que pôde ir para casa com a sensação de dever cumprido.

A essa altura eu já estava bastante satisfeita de ter encarado a chuva e a preguiça de domingo. E aí veio Beethoven. Ah Ludwig! O que seria de mim sem você? Para quem não conhece, o primeiro acorde da sétima sinfonia é um tapa da cara. Tapa não. É um soco mesmo. Na segunda nota eu já tava chorando. Consegui me recompor até o final do primeiro movimento mas as violas me pegaram de novo no início do segundo. Esses românticos jogam sujo com nosso lado sentimental e, quando a orquestra consegue transmitir a força da composição e ainda ressaltar a sutil delicadeza em detalhes e esmeros, o resultado é inebriante.

A minha relação com essa obra é especial e muito íntima. Além do apreço emocional que tenho por ela, acho incrível como é possível descobrir algo novo a cada passagem. Um solo de clarineta, um contraponto, uma fuga disfarçada, uma nota longa no oboé. Para quem não sabe ler partitura, a descoberta vem com uma escuta atenta e repetida. Hoje, me diverti colando do regente (brincadeira possível apenas em concertos ao vivo). O maestro Felipe Prazeres estava extra didático, pelo menos para quem estava do lado de cá da plateia. Graças à sua linguagem corporal, e pronta resposta dos músicos, pude perceber ondulações de violinos, toques de contrabaixos, diálogos entre flautas e cordas, variações sobre o tema central e frases inteiras que outrora ficaram camufladas nos acordes alheios.

Com novo olhar e escuta enriquecida, saí cantarolando a cavalgada final, sorrindo de dentro pra fora.

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