Subiu a cortina

Caro leitor,

Seja bem vindo ao mundo das cordas, madeiras e metais. Aqui você encontrará minhas impressões sobre diversos concertos de música erudita realizados na cidade do Rio de Janeiro. Também compartilhará dos meus devaneios sobre o mundo dos clássicos e algumas dicas de programas, filmes e discos. Só peço a cortesia de fazerem silêncio durante o concerto (e nada de ficar desembrulhando balinhas). Obrigada!

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Amores de Carmen

"Sur la place chacun passe, chacun vient, chacun vas..."

Me arrepio todinha só de ouvir essa palavras porque sei que Carmen de Bizet está começando! A primeira vez que assisti a essa ópera eu devia ter uns cinco anos e foi quando meus pais ganharam uma fita VHS com a versão em filme estrelada por Julia Migenes e Plácido Domingo nos papeis principais. Desde então a história e suas personagens entraram para a minha vida e eu os visito rotineiramente.



O problema de assistir a um obra mais de 50 vezes (não estou exagerando, podem perguntar para a minha mãe), é que aquela versão se torna a sua referência e qualquer desvio daquela interpretação te parece inaceitável. E quando o parâmetro é aquele elenco da produção de 1984, o bicho pega para achar encenação à altura das suas expectativas.

Ciente da minha condição de Carmen-chata e temerosa após ouvir rumores de "releituras" na direção de cena e cenografia do Allex Aguilera, fui assistir à apresentação no Theatro Municipal com coro e orquestra da casa. Eu poderia passar cena a cena aqui com minhas observações, mas acho que perderia meus poucos leitores então vamos aos pontos mais importantes.

Melhor artista no palco ontem foi a soprano Ekaterina Bakanova no papel de Micaëla. Seu dueto com José Manuel Chú (Dom José) no primeiro ato ("parle moi de ma mère...") foi emocionante e o solo no terceiro ("Je dis que rien ne m'épouvante...") acompanhado das macias trompas da OSTM deu vontade de rezar junto. Outros pontos altos incluem a dança flamenca com chales, leques e saias rodadas durante a primeira cena do segundo ato com todos os ciganos reunidos chez Lillas Pastia; o prelúdio do terceiro ato com aquele dueto de flauta e clarineta leve como uma pluma plainando sobre as montanhas espanholas; e a cena final onde Edineia de Oliveira mostrou todo o deboche do qual uma verdadeira Carmen é capaz!

O grande problema da noite foi o desencontro entre coro e orquestra que o maestro Isaac Karabtchevsky não soube consertar. Com o canto descasado da música em diversos momentos, sempre um pouco mais lento, várias das minhas cenas favoritas acabaram prejudicadas incluindo a sempre esperada Habanera e os meus xodós pessoais: a cena da briga na fábrica ("Au secours! Au secours!") e a partida dos ciganos para as montanhas ("La vie errante, le ciel ouvert...").

Fora isso, a tal da "releitura" da direção de cena pecou, a meu ver, em alguns aspectos incluindo: (1) Habanera sendo cantada de cima de um balcão longe dos homens; (2) Dom José dando um amasso na Micaëla depois de ler a carta da mãe; (3) Carmen cantando "Les tringles des sistres tintaient" estatelada na cadeira; (4) violão e palma de figuração para o Escamillo (que, alias, passou desapercebido por mim) no seu célebre "toréador en guarde"; (5) as brigas do Dom José com os seus concorrentes; (6) a projeção da tourada no último ato que certamente me lembrou que eu odeio touradas mas que cortou totalmente o clima da ópera e desviou a atenção da música e do coro. E, como de hábito, o recurso da projeção de cenário foi subutilizado.

Mas como eu dizia no início desse texto, essa ópera foi um dos meus primeiros contatos com a música clássica, fez parte da minha formação musical e continuará encantando milhões por anos a fio por um simples motivo: a música é formidável, forte e emocionante! A cada récita eu descubro um novo requinte de harmonia, uma sutileza outrora despercebida, um solo escondido no meio da orquestra. E é ao vivo que essas jóias se mostram e que você percebe toda a vulnerabilidade do artista e do personagem que está ali na sua frente. Nenhuma interpretação será igual àquele filme mas também nenhuma será igual a essa récita que eu assisti ontem. E isso é mágico!

Encerro esse texto com as palavras da Ana Carolina Marques, militante do movimento feminista, que me acompanhou ontem ao Theatro: "Por um novo final de Carmen, onde ela tira uma navalha da bolsa, degola D. José e segue divando com a ciganada." Se algum amigo compositor quiser encarar o desafio, eu me candidato a adaptar o libretto.

2 comentários:

  1. Bravo , AMANDA ... parabens pela excelente e sincera crítica !!! adorei ... bjs...sucesso sempre !!!

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  2. Amanda , estou estupefato com voce , vc vive assistir a ópera de forma encantadora ,fiquei muito feliz inclusive por seus elogios ao nipe de trompa é claro .
    agora sei onde encontrar voce e suas criticas construtivas que muito enaltece o mundo da Musica clássica .
    obrigado por voce existir e participar da Musica na platéia de nossas salas de concerto,
    bj grand
    ismael

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