Subiu a cortina

Caro leitor,

Seja bem vindo ao mundo das cordas, madeiras e metais. Aqui você encontrará minhas impressões sobre diversos concertos de música erudita realizados na cidade do Rio de Janeiro. Também compartilhará dos meus devaneios sobre o mundo dos clássicos e algumas dicas de programas, filmes e discos. Só peço a cortesia de fazerem silêncio durante o concerto (e nada de ficar desembrulhando balinhas). Obrigada!

terça-feira, 8 de abril de 2014

Um Brasil sonoro e contemporâneo

O quarteto Belmonte é um quarteto de cordas formado por músicos residentes na cidade do Rio de Janeiro mas o destino quis que a sua estreia em 2013 fosse em Curitiba (PR), longe dos meus ouvidos. A estreia e todos os 69 concertos seguintes! Portanto vocês podem imaginar meu entusiasmo quando soube que finalmente o SESC ia produzir um evento do Sonora Brasil no CCBB, aqui na Cidade Maravilhosa. 



O tema do circuito 2013/2014 é "Edino Krieger e as Bienais de Música Brasileira Contemporânea" então tive que me preparar psicologicamente para um repertório mais desafiador para mim como ouvinte. Confesso. Tenho sim um certo preconceito contra o "atual" e uma nítida predileção pelos clássicos e românticos, além de Bach que veio antes de tudo e criou a luz! Mas não se pode ignorar a voz do seu tempo, então lá fui eu para o concerto em pleno domingo de estreia de temporada de Game of Thrones (só para reforçar a minha dedicação à cena de música de concerto da cidade)! Fui fartamente recompensada. 

Da série "coisas que só a música contemporânea faz por você", assisti ao concerto ao lado de três dos compositores interpretados: Edino Krieger, Ricardo Tacuchian e Carlos Almada. Todos pareceram tremendamente satisfeitos com o resultado e ainda aprovaram as falas introdutórias de cada peça. Aliás, sustento que isso deveria ocorrer em todos os concertos, ou pelo menos todos de música de câmara. Por mais simples que seja, a fala aproxima o músico da plateia e ajuda a gente a focar em aspectos importantes da obra que poderiam passar desapercebidos. 

Talvez eu não tivesse reparado, por exemplo, que o terceiro movimento de "Telas Sonoras" (Krieger, 1997) ilustra a técnica de pintura do pontilhismo com o pizzicato das cordas (sacada genial!). Talvez eu não tivesse sido sugada pelo buraco negro do "Vórtice" (Resende, 1997). Talvez eu não tivesse viajado pelos contrastes entres os países, tristes e emergentes, que são cortados pelo "Trópico de Capricórnio" (Tacuchian, 2011). Só um adendo, eu pesquisei para confirmar e os países são: Namíbia, Botsuana, África do Sul, Moçambique, Madagascar, Austrália, Chile, Argentina, Paraguai, Brasil (Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná). 

Mas é claro que nem tudo precisa de explicação. Como não dançar em homenagem ao Astor (Almada, 1995)? Como não sentir no fundo do peito o som do Brasil do Quarteto de cordas no. 1 (Krieger, 1955)? Como não passar por uma intensa sucessão de sensações, condensadas em uma "Peça Breve" (Santos, 1980) e apenas quatro cordas? Afinal, a música contemporânea fala do mundo que a gente conhece, das angústias que a gente experimenta e da esperança que a gente compartilha. Na voz do quarteto Belmonte, até que as perspectivas estão melhorando... 

Sou meio (totalmente!) suspeita para falar desse grupo de músicos pois já sou fã dos quatro, individualmente, há anos. Janaína Salles (violoncelo), Dhyan Toffolo (viola), Márcio Sanchez (violino) e Ubiratã Rodrigues (violino) são artistas talentosos, sensíveis, versáteis, criativos e dedicados à sua profissão. Além disso, neste concerto, eles desfrutaram de uma vantagem oferecida para poucos: eles já tocaram esse repertório juntos dezenas de vezes para uma miríade de públicos. Dizem que a prática leva à perfeição... Bem, eu não saberia falar de perfeição, mas quando a gente arrepia com uma única nota da viola, um simples toque do violoncelo ou apenas a entrada do violino, é porque o negócio tá bom! 

3 comentários:

  1. Amanda,
    sua presença traz uma lufada de ar fresco aos concertos cariocas! Já te disse isso outras vezes, mas não canso de me admirar... É muito importante ter não-músicos nos ouvindo de peito e cabeça abertos, dispostos a flutuar pelas mais longínquas dimensões. É pra isso que a gente estuda e se dedica tanto!!! Ler esse seu texto me faz pensar que tudo valeu a pena, você sabe como a profissão exige de nós, é um sacrifício atrás do outro... Ainda bem que a causa é nobre, nobilíssima.
    Um afetuoso abraço,
    Janaína

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    1. Eu que agradeço a dedicação e o carinho! Sempre que puder, estarei presente na sua plateia.

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  2. Amanda, quanta sensibilidade. Quando escrevemos música não é para um público especialista mas para uma plateia culta, inteligente e sensível como você. As intenções ocultas do criador devem ser desveladas para o ouvinte mas esta metalinguagem não importa tanto, apenas ajuda um pouco a descodificar a linguagem musical. A música deve se impor por si mesma. Continue com seu espírito aberto para a música contemporânea, sem esquecer, é claro, dos clássicos. Estes são os pais de todos nós.

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