Subiu a cortina

Caro leitor,

Seja bem vindo ao mundo das cordas, madeiras e metais. Aqui você encontrará minhas impressões sobre diversos concertos de música erudita realizados na cidade do Rio de Janeiro. Também compartilhará dos meus devaneios sobre o mundo dos clássicos e algumas dicas de programas, filmes e discos. Só peço a cortesia de fazerem silêncio durante o concerto (e nada de ficar desembrulhando balinhas). Obrigada!

domingo, 4 de novembro de 2012

As sete portas da opera

11.XII.2011 Silêncio. Escuridão. Sete portas. Uma cabeça flutuante anuncia o início do espetáculo. Explica para os desavisados que o que estão prestes a assistir é uma história simbólica, um drama psicológico. Se a cabeça permitir, eu farei minha própria interpretação. Quem gostar que aplauda no final... Um conto de fadas se esconde atrás da primeira porta, no imaginário infantil da nossa memória. Um homem poderoso e severo, de barba azul, e sua jovem e curiosa esposa. Ela não deveria abrir a porta. Por que não deixa seu marido guardar seus segredos? Teria ela um outro fim se não fosse tão insistente ou estava seu destino selado ao pisar naquele castelo? Em busca de respostas, procuro a chave do segundo portal. Escuto o murmúrio de violoncelos e contrabaixos. Um sopro amadeirado trás um mau presságio. Permaneço hipnotizada por um fantasma do século passado que parece falar na língua errada, mas pouco importa. A música que sai do calabouço do castelo me deixa amedrontada, assustada e ansiosa. Uma grandiosidade indefinida cede lugar a uma melancolia profunda antes do ciclo se fechar como seria inevitável. Assim como a morte segue a vida e a noite retorna ao fim de cada dia, os murmúrios voltam até serem calados pelo tímpano. A terceira porta se abre liberando um forte feixe de luz. Duas siluetas surgem como se fossem dois fantasmas se aproximando. Após o primeiro impacto, a grande expectativa é ligeiramente frustrada. Ele deveria ser imponente, seguro e misterioso, mas lhe falta volume de barba e voz. Ela deveria ser jovem, intensa e encantadora. A voz lhe sobra, mas falta feitiço. A quarta porta me suga para dentro do meu antigo Atari. Vejo armas, objetos de tortura, jardins, mapas e cadáveres compostos de poucos pixels projetados diante dos meus olhos como se fossem hologramas da década de 1980. A rampa do castelo transforma-se em sete espelhos. Ao refletirem o conteúdo de uma alma atormentada, cada espelho custa uma vida até que... "game over". Retornando ao espaço tridimensional, abro a porta de um gigantesco armário. De onde poderiam sair lindos vestidos, acessórios e figurinos, escapou a criatividade. O armário está vazio. Apenas um vestido e um terno estão pendurados como dois corpos na forca. O primeiro está com a bainha muito longa e o segundo alocou-se no conto errado. Sem estilo, sem personalidade, sem história para contar. Prefiro manter essa porta fechada para evitar a decepção. Atrás da sexta e penúltima porta, esconde-se um mistério, uma contradição em movimentos. É um caos cinético e transdimensional onde nada parece fazer muito sentido. Estarei num hospício ou seria eu a louca por esperar nexo entre palavra e ação? Uma mulher busca incansavelmente uma chave que não existe, sente o peso de um manto invisível e a maldição de uma coroa que não está. Ela e seu marido sobem e descem uma rampa, em um balé neurótico e confuso ora sem expressão ora com uma dramaticidade incabida. Busco a fechadura para sair desse ambiente, mas ela tampouco existe. A única forma de escapar é fechar os olhos e seguir o caminho das notas de volta para aquele escuro e úmido castelo. Só resta uma porta fechada, a mais difícil de abrir. Ela protege os meus segredos. Ao abri-la, sou obrigada a expor o que eu guardo nas profundezas da minha alma. Tudo parece se refletir naqueles sete grandes espelhos no centro do palco e ecoar junto com a música pelas paredes da grande sala. Me sinto vulnerável, provocada e incomodada. Estarão as minhas vastas terras também cobertas de sangue? Qual será o volume do meu lago de lágrimas? Quantas memórias já coroei? Os aplausos cerram as demais portas. A sétima permanece aberta. Acho que deixei cair a chave...

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