Subiu a cortina

Caro leitor,

Seja bem vindo ao mundo das cordas, madeiras e metais. Aqui você encontrará minhas impressões sobre diversos concertos de música erudita realizados na cidade do Rio de Janeiro. Também compartilhará dos meus devaneios sobre o mundo dos clássicos e algumas dicas de programas, filmes e discos. Só peço a cortesia de fazerem silêncio durante o concerto (e nada de ficar desembrulhando balinhas). Obrigada!

domingo, 4 de novembro de 2012

O Encanto do Villa

10.X.2011 O dia começou preguiçoso como um domingo qualquer. As caipirinhas da noite anterior batucavam em suas têmporas e as nuvens que se acumulavam no céu lhe tiravam a energia de levantar da cama. Com livros, música e água ao alcance das mãos, decidiu não sair do seu ninho e ali permaneceu por algum tempo. Mas era dia de concerto e logo teria que se arrumar para sair. Morar do outro lado da cidade não ajudava nessas horas... Cogitou não ir. Afinal, não tinha a menor obrigação de comparecer a todos os concertos da temporada. Mas queria muito assistir ao quarteto composto por alguns de seus músicos prediletos. Fechou o livro, levantou e conseguiu sair com tempo suficiente para atravessar a cidade sem pressa. Ela nunca tinha subido ao Outeiro da Glória. A vista da entrada da Baía de Guanabara foi sua primeira recompensa pelo esforço do deslocamento. No interior da igreja, altares de madeira nobre, azuleijos portugueses, mantos e panos bordados e lustres e castiçais de prata montavam o cenário. No programa, dois quartetos de cordas: Villa Lobos e Grieg. Não conhecia nenhuma das duas obras. Pelo menos não que a sua memória de peixinho dourado permitisse lembrar. Tinha uma leve noção do estilo dos compositores mas não sabia direito o que esperar. Quando os músicos começaram a tocar a Cantilena, o encanto foi imediato. A música entrou pelos ouvidos, aquecendo seu peito, causando uma sensação simultaneamente suave e agressiva. As notas não eram tristes propriamente dito, mas provocaram um choro intenso e incontido. A Brincadeira aliviou um pouco a tensão, porém a entrada da viola no início do Canto Lírico foi um golpe profundo e transformador. A conversa entre ela e o violino não sossegava e os cinco minutos seguintes se sucederem em uma avalanche de sentimentos resultantes exclusivamente da melodia que ecoava naquela igreja secular. Ainda sob o efeito do terceiro movimento, ela mal percebeu a Cançoneta e já mal aguentava os efeitos do feitiço quando o cello deu início à bela Melancolia. Chorava copiosamente sem saber o motivo e não conseguia controlar as lágrimas e as sensações. Ligeiramente perturbada com os efeitos inusitados do quarteto, ela tentava esconder seu pranto por traz de um lenço, enquanto a senhora ao seu lado parecia se divertir com as expressões corporais dos músicos. Os saltos do saci finalmente encerraram a catarse. Os aplausos dissiparam o feitiço e o quarteto no.1 de Grieg a tocou de uma forma mais centrada e cerebral. Mesmo assim, em vários momentos, ela foi invadida por uma forte saudade de uma terra fria e longínqua que nunca conhecera. Ainda permaneceu estática alguns momentos após o término do evento. No pátio da igreja, esperou as sensações se acalmarem antes de retornar à rotina. Estava com o corpo, a mente e a alma plenos de satisfação. Voltou para casa e terminou aquele domingo preguiçoso na frente do computador com um gato ronronando aos seus pés.

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