Subiu a cortina

Caro leitor,

Seja bem vindo ao mundo das cordas, madeiras e metais. Aqui você encontrará minhas impressões sobre diversos concertos de música erudita realizados na cidade do Rio de Janeiro. Também compartilhará dos meus devaneios sobre o mundo dos clássicos e algumas dicas de programas, filmes e discos. Só peço a cortesia de fazerem silêncio durante o concerto (e nada de ficar desembrulhando balinhas). Obrigada!

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Recriando o mundo no Rio de Janeiro

11.VI.2012

A água não parava de descer do céu cinza chumbo. Já chovia há cinco dias e nada indicava que São Pedro fecharia a torneira tão cedo. Seria mais um Grande Dilúvio? No Rio de Janeiro, as águas costumam tomar proporções bíblicas, porém a noite não estava para destruição e sim para A Criação.

Montar um balé que combina orquestra, coro e corpo de baile com o Theatro Municipal parcialmente interditado não deve ter sido fácil. Ouvi relatos de ensaios em situações precárias e espaços inadequados como corredores e salas de escritório. Encarar o Gênesis nessas condições não pode ter sido muito inspirador e eu estava curiosa em ver se isso seria sentido no resultado final.

Quando a cortina se abriu e revelou um palco sem cenário, fiquei tensa. Tudo bem que no Início, também não havia nada, mas a gente sempre espera um estímulo visual maior de uma produção que abre a temporada de uma casa tão importante. Para piorar, a orquestra não começou bem a introdução e o coro também falhou nas suas primeiras notas. No entanto, todas as partículas se reuniram de forma harmônica ainda no Primeiro Dia.

O cenário realmente ficou faltando. Essa moda de projetar imagens sobre uma tela branca já está começando a me irritar, porque ainda não vi esse recurso ser usado com bom gosto e competência por estas bandas. O que deveria aumentar a dinâmica da cena acaba parecendo uma apresentação de Powerpoint mal feita. As telas projetadas de Francesco Clemente até eram visualmente impactantes e trouxeram um belo colorido à produção, mas o mesmo efeito teria sido atingido com um cenário real nas mesmas tonalidades, já que a sucessão das imagens foi mal explorada.

O figurino dos bailarinos também era minimalista mas, nesse caso, achei que encaixou bem com o tema da obra e permitiu uma apreciação melhor da coreografia de Uwe Scholz. Alias, que coreografia fantástica! As cenas com o corpo de baile tinham movimento, vivacidade e energia enquanto os solos exploraram a multiplicidade do corpo humano e sua forma com delicadeza, força e intensidade. O primeiro pas-de-deux do balé foi uma das sequências de movimentos mais bonitas e criativas que eu já vi sobre um palco e o casamento do baile com o oratório de Joseph Haydn foi perfeito!

Dentro do fosso, após um deslize inicial, as coisas também tomaram forma e os solistas conseguiram vencer as profundezas abissais desse espaço e narrar com muita competência e expressividade o surgimento da luz, da água e da vida no universo. Enquanto o coro dava voz a todas as criaturas da Terra, tive a impressão que Haydn escutava a voz de Deus como ora uma flauta, ora um oboé. Se eu tivesse que escolher, nesta noite, ficaria com o oboé.

O retorno das atividades dos três corpos artísticos do TMRJ mereceu o belo Aleluia. O Amém eu só vou falar no dia que a OSMT sair do núcleo sólido do planeta e retornar à crosta terrestre e o som das sapatilhas não mais se sobrepuser ao som das cordas.

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