Subiu a cortina

Caro leitor,

Seja bem vindo ao mundo das cordas, madeiras e metais. Aqui você encontrará minhas impressões sobre diversos concertos de música erudita realizados na cidade do Rio de Janeiro. Também compartilhará dos meus devaneios sobre o mundo dos clássicos e algumas dicas de programas, filmes e discos. Só peço a cortesia de fazerem silêncio durante o concerto (e nada de ficar desembrulhando balinhas). Obrigada!

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Bonequinha de luxo

Enredo de balé só não é mais confuso que enredo de escola de samba! Coppélia é uma história sobre um jovem cujo coração está dividido entre duas moças, sem saber que uma delas é uma boneca. Ciúmes, intrigas, alquimia, falsidade ideológica e muito bom humor culminam no final feliz tradicional do balé clássico: o casamento. Ou seja, Power Rangers.

A montagem do Theatro Municipal do Rio de Janeiro para essa famosa peça está bastante caprichada. O cenário é elegante e vistoso com especial destaque para o segundo ato, passado dentro da casa do artesão Coppelius, com direito a boneco em movimento pendurado no teto! Os figurinos são alegres e coloridos com bastante movimento e detalhes característicos de vestimentas polonesas ou húngaras. Só estranhei alguns vestidos do terceiro ato que destoaram do contexto da história, com cores fortes de azul e roxo e coroas brilhantes.

O casal principal da noite brilhou! Denis Vieira arrancou numerosos "oh"s, "ah"s e "nossa"s da platéia com saltos com grande impulsão, piruetas cravadas e poses dotadas da elegância de um primeiro bailarino do Theatro Municipal. Karina Dias, por sua vez, encarnou com muita expressão artística uma menina geniosa. Pequenas falhas polvilharam a sua performance mas seu charme, leveza e beleza de movimento não falharam em momento algum. Apesar da comprovada competência dos solistas, foram as cenas do corpo de baile dançando em conjunto que mais impressionaram. A carência de um pas-de-deux marcante na coreografia é suprida por inúmeras danças enérgicas com elementos folclóricos, ora no calcanhar das botas, ora na ponta das sapatilhas.

A música de Léo Delibes embala a divertida história. A valsa de apresentação da personagem Swanilda é, por si só, um deleite de fazer as cabecinhas do público dançarem junto com a bailarina. A Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal não estava nos seus melhores dias, mas cumpriu bem o seu papel. Apesar das profundezas do fosso, o som chegou ao balcão nobre com ótima intensidade de todos os naipes. Não saberia apontar o aspecto técnico que deixou a desejar, limitando-me a dizer que já ouvi um som mais bonito saindo desse grupo de artistas. Tampouco me emocionei com os solos de violino e viola que acompanham os pas-de-deux mornos no primeiro e terceiro atos, respectivamente. Destacaram-se com louvor, no entanto, as madeiras (com menção honrosa para a flauta) e a percussão. Já aprendi, contudo, que no Theatro Municipal, essas coisas dependem muito do lugar que se ocupa na grande sala e que cada setor tem um som à parte.

Finalizo esta nota ressaltando a importância desse tipo de espetáculo para a formação de platéia. Peças como Coppélia, devido ao seu humor e beleza cênica, conquistam o público desde a infância ajudando na criação de ouvintes de música clássica e frequentadores de balés, concertos, óperas, teatro e afins. O investimento nesse trabalho resulta no enriquecimento cultural do público e deveria ser uma prioridade para autoridades preocupadas com o setor artístico da cidade, do estado e do país. Os corpos artísticos do TMRJ estão sofrendo este ano com a falta de espaço (devido ao desmoronamento de edifícios justapostos ao theatro no início do ano), a falta de criatividade da diretoria artística no planejamento da temporada e a falta de investimento nos recursos humanos da coroa. Mesmo assim, é o trabalho deles que nos encanta e nos faz voltar para mais um bis.

Um comentário:

  1. Amanda. como sempre perspicaz.
    Você está certa quando fala das profundezas do fosso, que ficou bem mais profundo após a reforma, hoje necessita de microfonação. Talvez por isso o som chegue tão artificial à sala de espetáculo.
    Ainda assim, conseguimos nos expressar.
    Mas se não houver o investimento em todos estes setores que voce falou, principalmente na abertura de concurso público, a temporada do ano que vem ficará em risco.
    E talvez não teremos bis.

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